Racismo Religioso e Criminalização Seletiva: O Caso Juliana Arcanjo e o Direito dos Povos de Santo

A luta contra o racismo religioso no Brasil ganhou um capítulo simbólico com a absolvição de Juliana Arcanjo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Este artigo, inspirado em um comentário jurídico do Dr. Hédio Silva Júnior — advogado, fundador do JusRacial e do Idafro —, propõe uma reflexão madura e estratégica sobre a desigualdade de tratamento das práticas religiosas afro-brasileiras.



Por que Práticas Religiosas Afro-Brasileiras Recebem Tratamento Desigual?

Historicamente, religiões de matriz africana têm sido marginalizadas. Entretanto, é preciso refletir se todo caso de conflito jurídico representa efetivamente uma perseguição religiosa, ou se, muitas vezes, não estamos diante de estratégias oportunistas em disputas individuais, potencializadas pela ausência de regulamentação específica sobre nossas tradições.

Racismo Religioso: O Caso de Juliana Arcanjo

Em 2001, Juliana Arcanjo e sua filha, então com 11 anos, passaram pela iniciação religiosa no Candomblé. Durante o rito, foi realizada a escarificação ritual (gbèrè, em yorùbá) — pequenas microincisões superficiais na pele, feitas com todo o cuidado, assepsia e respeito espiritual.

Posteriormente, em meio a um conflito judicial pela guarda da menina, a prática foi usada como argumento para tentar configurar lesão corporal grave. Nota-se aqui possível estratégia jurídica maliciosa, aproveitando-se da falta de normatização sobre a escarificação religiosa.

A Aplicação Seletiva da Lei Penal

O caso expõe uma incoerência que merece reflexão: enquanto a escarificação religiosa foi tratada como lesão grave, práticas culturais semelhantes — como a circuncisão judaica e islâmica, ou o furo de orelhas em bebês — nunca sofreram contestação criminal.

Talvez, até então, ninguém tenha tentado explorar essas práticas em litígios de forma oportunista. Este caso é um alerta para todas as comunidades tradicionais: sem regulamentação adequada, todas as tradições ficam vulneráveis.

Criminalização da Religião: O Que Está Por Trás Dessa Seletividade?

É fundamental reconhecer que a vulnerabilidade das religiões de matriz africana não reside apenas na hostilidade direta, mas também na falta de presença política, jurídica e legislativa.

Não se trata apenas de “racismo estrutural” — é a ausência de iniciativas concretas que reconheçam e protejam legalmente nossas práticas culturais. A invisibilidade normativa abre espaço para que agentes maliciosos explorem nossa tradição como argumento de ataque.

A Vitória no STJ: Um Passo Importante, Mas Insuficiente

O Superior Tribunal de Justiça confirmou a absolvição de Juliana Arcanjo. A decisão foi justa e importante.

Mas cabe uma reflexão: a igualdade plena está distante porque faltam direitos reconhecidos e formalizados, não apenas porque há preconceito. Precisamos sair da cegueira militante que transforma qualquer conflito em “moinhos de vento” e focar na construção efetiva de garantias.

Povo de Santo: Caminhos Para o Futuro

O caminho não é a ocupação barulhenta: é a presença consciente e transformadora.

  • Incentivar a formação jurídica no povo de santo.
  • Criar comissões técnicas para legislação específica.
  • Fortalecer a presença ativa e qualificada em espaços de decisão.
  • Construir alianças com outras tradições culturais ameaçadas pela mesma falta de regulamentação.

A mudança virá da estratégia, do conhecimento e da ação inteligente.

Liberdade Religiosa no Brasil: Conhecimento Ancestral e Consciência Crítica

Precisamos valorizar o nosso conhecimento ancestral — não apenas como resistência, mas como ferramenta de transformação social.

Não basta existir: precisamos estar presentes, conscientes e construtivos em cada espaço que é nosso por direito.


FAQ – Perguntas Frequentes

O que é escarificação religiosa?

Escarificação religiosa, ou gbèrè (termo yorùbá), é a prática de fazer pequenas incisões superficiais na pele como parte de rituais de iniciação e proteção espiritual.

Por que ela é importante no Candomblé?

A escarificação marca a ligação espiritual entre o iniciado e seu Orixá, sendo considerada uma assinatura sagrada.

A escarificação é ilegal?

Não há uma lei específica que proíba a escarificação religiosa. Quando realizada de forma consciente e segura, no contexto espiritual, é protegida pela liberdade religiosa garantida na Constituição.


Quer saber mais sobre a cultura e os direitos do povo de santo?
Leia também: A Postura de um Sacerdote no Candomblé e sua Importância
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