A verdadeira prosperidade espiritual não se mede pela quantidade de ouro acumulado, pelos títulos conquistados ou pelos monumentos erguidos em nome da fé. Ela se revela na simplicidade, na compaixão, no servir. Em tempos em que a ostentação invade até mesmo os espaços sagrados, este artigo é um convite à reflexão: que pegadas estamos deixando em nossa jornada espiritual?
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A Beleza dos Sapatos Gastos
Recentemente, uma fala emocionada de um pastor protestante trouxe à tona um símbolo poderoso: os sapatos gastos do Papa Francisco. Ao pedir para ser enterrado com seus sapatos simples, marcados por caminhadas entre refugiados, prisões e periferias, Francisco nos lembrou que a verdadeira grandeza espiritual está nas pegadas deixadas por onde o amor precisou chegar.
A Bíblia diz, em Romanos 10:15: “Quão formosos são os pés dos que anunciam as boas novas”. É sobre a história que carregamos nos pés, não sobre sua aparência.
A Prosperidade que a Tradição Ensina
A chamada “teologia da prosperidade” é frequentemente distorcida. Devo lembrar que a verdadeira prosperidade não é a ostentação religiosa, mas a vida plena — aquela em que não nos falta o essencial: dignidade, alimento, paz de espírito.
“O Senhor é meu pastor, nada me faltará” (Salmo 23). Nada, aqui, não é sobre riqueza material ilimitada, mas sobre a plenitude de quem tem o que é necessário para viver com alegria e propósito.
Como disse o apóstolo Paulo: “Aprendi a contentar-me com o que tenho” (Filipenses 4). A prosperidade verdadeira é ser inteiro, e não apenas ter muito.
O Candomblé e o Esquecimento da Simplicidade espiritual
No universo do Candomblé, observamos hoje um fenômeno preocupante: a crescente ostentação.
Casas luxuosas, sacerdotes adornados com joias gigantescas, uma cultura que, muitas vezes, confunde prosperidade espiritual com exibição de riqueza material.
No entanto, nossos mais velhos sempre ensinaram que a força de um Orixá não se mede pelos adornos, mas pela presença vibrante do Axé. A nobreza de um sacerdote não está em suas insígnias, mas na retidão de seu caráter e na grandeza de seu serviço ao coletivo.
A Cultura da Ostentação e o Esvaziamento do Sagrado
Quando a religião vira vitrine, o sagrado se esvazia.
Transformar o terreiro, o templo ou a igreja em palco de ostentação é trair a essência da fé.
A espiritualidade se torna produto; o Axé vira mercadoria; o Evangelho vira pretexto para acúmulo. Mas onde está o legado? Onde está o amor que se gasta pelo outro?
Como alertou o orador, “os pés que anunciam as boas novas se gastam, se sujam, se cansam”. O luxo dos tronos vazios não substitui a beleza silenciosa dos sapatos gastos.
Grandeza Sem Ostentação
No Candomblé, a celebração das Águas de Oxalá é uma límpida memória da verdadeira prosperidade espiritual.
Todos — do mais alto sacerdote ao mais recente iniciado — se vestem de branco, põem os pés no chão e carregam água para banhar Oxalá, nosso pai maior.
A história é uma poderosa alegoria: Oxalá, representante da pureza de Olòdùmarè entre os Orixás, foi preso injustamente, despido de qualquer riqueza ou adorno. Manteve sua dignidade silenciosa, resistiu à humilhação e, no fim, foi reconhecido. Reis e plebeus tiveram que se curvar diante de sua retidão.
A lição é eterna: quem é grande, permanece grande mesmo sem coroa. Quem tem Axé, irradia, mesmo despido de ornamentos.
Recuperar a Essência: Presença, Não Aparência
O desafio para todas as religiões, para todos os credos, é o mesmo: retomar a consciência de que ser é mais importante do que ter.
Que tipo de pegadas queremos deixar?
Pegadas de compaixão, de resistência digna, de serviço silencioso? Ou pegadas que desaparecem rápido, construídas apenas na areia movediça da vaidade?
Sapatos Gastos, Coração Inteiro
O verdadeiro legado de uma vida espiritual não está nas coroas acumuladas, mas nos sapatos gastos de tanto caminhar ao lado dos que mais precisavam.
Oxalá, o Papa Francisco, os verdadeiros sacerdotes de cada tradição, nos ensinam: a grandeza não está na pompa, mas na humildade vibrante de quem se doa.
Tenho certeza de que muita gente vai ler este artigo e se perguntar por qual motivo eu tive que usar referências cristãs se eu sou do Candomblé. E a única resposta que tenho para dar é a de que a sabedoria, a verdade e Deus estão em todos os lugares. As pessoas só precisam abrir seus olhos para poder enxergar.
É preciso deixar as ilusões de lado e se reconectar com o sagrado. Eu espero que possamos recalçar nossos passos. Que possamos abandonar os tronos estéreis e buscar a sabedoria silenciosa das pegadas dos nossos antepassados e ancestrais.
Porque no fim da jornada, o que o mundo mais vai lembrar não serão nossos monumentos, mas as marcas de amor que deixamos no chão.
Na minha família de Axé, minha falecida Mãe Nilzete foi talvez o maior exemplo disso. Era mulher simples, usava roupas simples, de Chita, dividia o que tinha com quem precisava, foi mãe de verdade para muitos e até hoje sua memória é celebrada pela essência de quem ela realmente era. Seu legado será eterno, mas e o nosso? Você já parou para se perguntar como as pessoas se lembrarão de você? Por quanto tempo as pessoas se lembrarão de você?
FAQ – Perguntas Frequentes
O que é prosperidade espiritual?
Prosperidade espiritual é a plenitude de vida em que se tem dignidade, paz, amor e propósito, independentemente da riqueza material.
Ostentação e fé são incompatíveis?
Sim, quando a ostentação vira foco e esvazia o sentido de serviço, humildade e compaixão que deveriam ser a base da espiritualidade.
O que as Águas de Oxalá ensinam?
Ensinam que a verdadeira grandeza espiritual é reconhecida pela dignidade silenciosa, pela resistência humilde e pela presença consciente, e não pelos adornos materiais.
Quer refletir ainda mais sobre presença consciente e legado espiritual?
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